“A delícia de ser quem se é”: experiência vivida de pessoas transgênero

Abstract

Esta pesquisa teve como objetivo investigar a experiência vivida de pessoas transgênero. Justifica-se na medida em que conjunturas sociais violentas e opressivas continuam a contribuir para repercussões negativas na saúde dessa população. Organiza-se metodologicamente como uma pesquisa qualitativa, com o uso do método fenomenológico proposto pelo filósofo Edmund Husserl; teoricamente, orienta-se pelos pressupostos da Abordagem Centrada na Pessoa, desenvolvida pelo psicólogo Carl Rogers. De acordo com o método fenomenológico adotado, realizaramse encontros dialógicos individuais com oito pessoas adultas (maiores de 18 anos) que se autoidentificavam como trans e que estavam dispostas a participar voluntariamente da pesquisa, atendendo a convite veiculado pelo pesquisador em redes sociais. Ao todo, foram realizados cinco encontros presenciais e três on-line. Os encontros foram registrados sob a forma de uma Narrativa Compreensiva escrita pelo pesquisador com base nas suas impressões, pensamentos e sentimentos sobre a experiência intersubjetiva vivenciada com cada participante. Na etapa seguinte, foi construída uma Narrativa Síntese contendo os principais elementos constitutivos do fenômeno que emergiram do conjunto de Narrativas Compreensivas num movimento interpretativo. A análise destes elementos possibilitou a constituição de dois campos organizadores das vivências dos participantes, que correspondem aos resultados interpretativos desta pesquisa: “A delícia de ser quem se é” e “O solo onde se habita”. O primeiro ressalta a dificuldade das pessoas transgênero para serem aceitas e consideradas socialmente, contribuindo para o desenvolvimento de um estado de incongruência entre o campo das experiências e suas simbolizações, num processo de sofrimento subjetivo que pode levar ao adoecimento. O segundo aponta para a questão de que a vivência dessas pessoas não é universal, sendo fundamental uma consideração sobre os marcadores sociais e os contextos macrossociais, como o endocisheteropatriarcado, para uma compreensão crítica acerca de suas vivências. Espera-se que esta pesquisa possa contribuir para o desenvolvimento de novas modalidades de intervenções psicológicas de natureza clínica menos normativas e protocolares e mais compreensivas e contextualizadas. Que possam ser criados modos de atenção psicológica em consonância com questões contemporâneas que urgem por uma atuação mais inclusiva e eticamente orientada para o enfrentamento às diferentes formas de sofrimento vivido pelas pessoas em seus contextos sociais.

This research aimed to investigate the lived experience of transgender people. It is justified insofar as violent and oppressive social conditions continue to contribute to negative impacts on the health of this population. Methodologically, it is organized as a qualitative study, using the phenomenological method proposed by philosopher Edmund Husserl; theoretically, it is guided by the principles of the Person-Centered Approach developed by psychologist Carl Rogers. According to the adopted phenomenological method, individual dialogical meetings were held with eight adults (aged 18 or older) who self-identified as trans and were willing to voluntarily participate in the study, responding to an invitation shared by the researcher on social media. In total, five in-person meetings and three online meetings were conducted. The meetings were recorded in the form of a Comprehensive Narrative written by the researcher, based on his impressions, thoughts and feelings about the intersubjective experience lived with each participant. In the next stage, a Synthesis Narrative was constructed, containing the main constitutive elements of the phenomenon that emerged from the set of Comprehensive Narratives through an interpretative process. The analysis of these elements led to the construction of two organizing fields of the participants' experiences, which correspond to the interpretative results of this research: “The delight of being who one is” and “The ground one inhabits”. The first highlights the difficulty transgender people face in being socially accepted and recognized, which contributes to the development of a state of incongruence between the field of experiences and their symbolizations, in a process of subjective suffering that may lead to illness. The second points to the fact that the lived experience of these people is not universal, highlighting the importance of considering social markers and macrosocial contexts, such as the endocisheteropatriarchy, for a critical understanding of their experiences. It is expected that this research may contribute to the development of new forms of psychological interventions in clinical settings that are less normative and protocol-driven, and more comprehensive and contextually grounded. It calls for the creation of psychological care approaches aligned with contemporary issues, advocating for more inclusive and ethically guided practices to address the different forms of suffering experienced by people within their social contexts.

Esta investigación tuvo como objetivo investigar la experiencia vivida de personas transgénero. Se justifica en la medida en que las conjunturas sociales violentas y opresivas continúan contribuyendo a repercusiones negativas en la salud de esta población. Metodológicamente, se organiza como una investigación cualitativa, con el uso del método fenomenológico propuesto por el filósofo Edmund Husserl; teóricamente, se orienta por los supuestos del Enfoque Centrado en la Persona, desarrollado por el psicólogo Carl Rogers. De acuerdo con el método fenomenológico adoptado, se realizaron encuentros dialógicos individuales con ocho personas adultas (mayores de 18 años) que se autoidentificaban como trans y que estaban dispuestas a participar voluntariamente en la investigación, respondiendo a una invitación difundida por el investigador en redes sociales. En total, se llevaron a cabo cinco encuentros presenciales y tres virtuales. Los encuentros fueron registrados en forma de una Narrativa Comprensiva escrita por el investigador con base en sus impresiones, pensamientos y sentimientos sobre la experiencia intersubjetiva vivida con cada participante. En la etapa siguiente, se construyó una Narrativa Síntesis que contiene los principales elementos constitutivos del fenómeno que emergieron del conjunto de Narrativas Comprensivas en un movimiento interpretativo. El análisis de estos elementos posibilitó la constitución de dos campos organizadores de las vivencias de las personas participantes, correspondientes a los resultados interpretativos de esta investigación: “El deleite de ser quien se es” y “El suelo que se habita”. El primero resalta la dificultad que enfrentan las personas transgénero para ser aceptadas y reconocidas socialmente, contribuyendo al desarrollo de un estado de incongruencia entre el campo de las experiencias y sus simbolizaciones, en un proceso de sufrimiento subjetivo que puede llevar al padecimiento. El segundo apunta a que la vivencia de estas personas no es universal, siendo fundamental considerar los marcadores sociales y los contextos macroscociales, como el endocisheteropatriarcado, para una comprensión crítica de sus vivencias. Se espera que esta investigación contribuya al desarrollo de nuevas modalidades de intervenciones psicológicas de carácter clínico menos normativas y protocolizadas, y más comprensivas y contextualizadas. Que puedan crearse formas de atención psicológica en consonancia con cuestiones contemporáneas que exigen una actuación más inclusiva y éticamente orientada al enfrentamiento de las diversas formas de sufrimiento vivido por las personas en sus contextos sociales.