A mulher “sumida” e “desumanizada” na política brasileira: a recepção nas redes sociais de Marina Silva
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Autor
Orientador
Doretto, JulianaData de publicação
27/06/2022Tipo de conteúdo
Dissertação de mestradoPrograma de Pós-Graduação
Linguagens, Mídia e ArteDireitos de acesso
Acesso abertoMetadados
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Marina Silva, nortista, mulher negra de origem pobre, ganhou projeção no cenário da política nacional após participar de três processos eleitorais para a Presidência da República. No primeiro deles, em 2010, obteve mais de 19 milhões de votos, conquistando ali o terceiro lugar. No segundo processo, em 2014, Marina também conseguiu o terceiro lugar, com 22 milhões de votos. Já em 2018, obteve resultado inexpressivo, com apenas pouco mais de 1 milhão de votos, ficando em oitavo lugar. Diante desse cenário, esta pesquisa buscou entender como Marina Silva é percebida pelo público enquanto figura política, no cenário político brasileiro dominado em sua maioria por homens brancos. Ao se dirigir para o comentarista, o sujeito receptor, a investigação pretende compreender como ele se apropria das mensagens midiáticas, se ele dá novos significados àquelas ou se corrobora com os significados já estabelecidos nos processos socioculturais e os amplia (BARBERO, 2003). A ideia nasceu da nossa observação de um discurso difuso, nas mídias sociais, que questiona a capacidade de Marina Silva pela sua “fragilidade” física e emocional, aspectos que fazem parte da construção social do gênero feminino, como afirmam Beauvoir (1970) e De Lauretis (1994). Esses elementos são, no caso de Marina, ressaltados pela sua condição física, resultados do histórico de doenças contraídas quando morava em região de floresta, no Norte do país, e dos cuidados médicos decorrentes. Neste estudo, analisamos comentários de internautas feitos a partir de postagens de Marina em seu perfil no Twitter em 2020, em que ela deixa claro sua oposição ao governo de Jair Bolsonaro. A escolha dessa plataforma se deu por entendermos a importância dela na arena política atual, em que as estratégias partidárias são fortemente midiatizadas, e os algoritmos das mídias sociais colaboram para fomentar a desinformação e o discurso de ódio em torno dos processos políticos. No total, analisamos 935 comentários, seguindo o método da análise de conteúdo (BARDIN, 1977). Como resultado, as críticas e rejeição que encontramos, por parte da maioria dos interlocutores nas postagens selecionadas, não estão ligadas aos seus posicionamentos políticos, mas têm uma carga de violência com caráter racista e misógino. Encontramos caracterizações dela como “sumida” da cena pública e discursos que a desumanizam através de ataques violentos à sua aparência física, comparando-a com animais e extraterrestres. Reconhecemos que essas representações fazem parte da construção social da mulher negra, algo que encontramos nos estudos interseccionais de gênero e raça (GONZALEZ, 2020), que mostram justamente como a mulher negra vem sendo invisibilizada e animalizada por conta de sua potência física ao longo do tempo. Marina, no entanto, parece se afastar também desta última representação, e aqui parece como um ser bestializado, e que, por isso, deve ser eliminado, associado ainda a preconceitos regionais, devido à sua origem nortista. Ressalta, assim, a necessidade de se combater a violência de gênero e raça também no campo político, e fortalecer estratégias de transparência nas redes sociais.
Marina Silva, a black woman from a poor background born and raised in the northern part of Brazil, gained national political projection after participating as a presidential candidate in 3 consecutive elections. In her first election in 2010 she obtained over 19 million votes, granting her the 3rd place in that year. In 2014, her second attempt, she also landed 3rd place, with 22 million votes. In 2018, however, she performed poorly, with only little over 1 million votes, granting her 8th place. It is in light of this scenario that this project sought to comprehend how Marina Silva, being a public figure, is perceived by the general public in the brazilian political scenario that is mostly dominated by white men. While devoting its attention to the person that comments/replies –the person/subject– this study seeks to understand how they appropriate themselves of the messages received through the media, how they attribute new meanings or confirm these messages through different socio-cultural procedures and/or amplify them (BARBERO. 2003). The idea emerged due to the observation that, on social media, there seemed to be a common ground notion that questions Marina Silva’s ability as a whole due to something one can only describe as a perceived physical and emotional “fragility”, aspects that are part of the social construct of the female gender, according to Beauvoir (1970) and De Lauretis (1994). These elements, in Marina Silva’s case, seem to stand out even more due to her physical condition that is a direct result of her medical history and the treatment of the diseases she suffered whilst growing up in the Amazon Forest Region, the northern part of Brazil. This study will analyse replies and comments made by internet users from posts made by Marina in 2020, the current period of her political activity, from her Twitter account, in opposition to Jair Bolsonaro’s administration. The choice of this platform is due to our understanding of its importance in the current political arena, in which partisan strategies are highly mediatized and in which the social media algorithms contribute strongly to the promotion of misinformation and hate speeches surrounding the political processes. All in all we analyzed 935 comments, using content analysis methodology (BARDIN, 1977). What we found is that the critiques and rejection posed by the majority of the comments analyzed were unrelated to her political stances and highly charged with violently racist and misogynistic properties. We found characterizations of her as being "missing" or "abscent" from the public scene and also dehumanizing vocabulary and violent attacks to her physical appearance, comparing her to animals and extra-terrestrials. We recognize that these characterizations are part of the social construct of the black woman, which is something we encounter in the studies of intersectional feminisms based on gender and race (GONZALEZ, 2020), that show how precisely black women are made invisible and animalized based on their physical properties. Marina, however, seems to not quite fit this representation either and appears more beast-like and, thus, must be eliminated whilst suffering regional prejudices due to her northern origins. The study highlights, thereby, the need to fight gender and racial violence also in the political sphere and to strengthen strategies of transparency on social media.
Palavras-chave
Marina SilvaGênero
Raça
Estudos de recepção
Gender
Race
Reception analyses