Preconceito e desumanização: experiência de maternagem de mulheres-mães lésbicas

Abstract

Esta tese teve como objetivo compreender a experiência de maternagem de mulheres-mães lésbicas. Debruçar-se diante desta problemática, a partir de uma perspectiva decolonialista e interseccional em articulação com concepções winnicottianas sobre o cuidado permitiu um olhar ético para a experiência materna de mulheres lésbicas. Para tanto, foi conduzido um estudo qualitativo psicanalítico winnicottianamente orientado, que se organizou em torno de cinco encontros com cada um dos quatro casais de mulheres-mães lésbicas cujos filhos tinham entre cinco meses e 11 anos de idade. Tais encontros se configuraram como Entrevistas Transicionais durante as quais foram usadas Narrativas Interativas (NI). A NI é uma história ficcional produzida pela pesquisadora, na interlocução com seu grupo de pesquisa, como um rabisco inicial que coloca em marcha uma narração a dois. A história se interrompe e o participante é convidado a dar um desfecho para aquela trama. Após cada um dos encontros, foi elaborado o Registro Associativo Inicial (RAI) com a intenção de capturar as primeiras impressões do pesquisador para futura triangulação com seu grupo de pesquisa. Desse processo resultou uma Narrativa Transferencial (NT) para cada um dos encontros como primeira etapa de análise interpretativa do material de pesquisa. O material reunido pelas NI, RAI e NT foram objeto de análise psicanalítica, cujo resultado foi comunicado por meio de Narrativas Psicanalíticas (NP). Como síntese interpretativa, a NP é escrita de forma associativa e visa articular a experiência narrada pelo participante, a experiência vivida pelo pesquisador no encontro e as construções teóricas que iluminam a dramática que é foco do estudo. Foi possível observar nas histórias de vida compartilhadas pelas participantes que a família constituída por casal de mulheres-mães lésbicas desperta reações de estranhamento, hostilidade e preconceito; apresentam capacidade de bem atender às necessidades dos filhos e são capaz de criar novas formas de bem cuidar, dissociando-as do gênero daquelas que assumem a parentalidade e a de que seus filhos devem ser preparados para enfrentar a intolerância social em relação à diversidade. O quadro geral aponta que os casais de mulheres mães lésbicas se apresentam lúcidos, conscientes e capazes de assumir posturas de enfrentamento e combatividade diante das violências próprias da sociedade cisheteropatriarcal, enquanto ambiente estruturalmente intrusivo e opressor que desfere ataques que visam desumanizar/despersonalizar aqueles que não se submetem às definições socialmente predominantes quanto aos papéis de gênero. Esse posicionamento explica sua preocupação em prover uma educação que favoreça que seus filhos se tornem capazes de encarar e se defender da violência social. O compartilhamento do cuidado se mostrou um desafio aos casais de lésbicas, que são invadidas durante seu cuidar pelo modelo parental heterossexual e sua divisão de funções conforme o gênero do cuidador. Em contrapartida, há claros indícios que esse desafio cria condições propícias de recriação de papéis de gênero, do conceito de família e das próprias práticas parentais. Conclui-se que a experiência de parentalidade das mulheres-mães, que participaram desta pesquisa, converte-se em importante referência para a reflexão crítica sobre os modelos cisheteropatriarcais que norteiam as diversas formas de cuidado e o contexto relacional em que ocorrem.

This thesis aimed to understand the mothering experience of lesbian mothers. Dealing with this issue from a decolonialist and intersectional perspective in conjunction with Winnicott's conceptions of care allows an ethical look at the maternal experience of lesbian women. For this reason, a Winnicottian-oriented qualitative psychoanalytic study was conducted, which was organized around five meetings with each of the four couples of lesbian mothers whose children were between five months and 11 years old. These meetings were configured as Transitional Interviews (IT) during which Interactive Narratives were used. The NI is a fictional story produced by the researcher, in dialogue with her research group, as an initial scribble that sets in motion a shared narration. The story is interrupted and the participant is invited to give an outcome to that plot. After each of the meetings, the Initial Associative Registry (IAR) was prepared with the intention of capturing the researcher's first impressions for future triangulation with his research group. This process resulted in a Transferential Narrative (TN) for each of the meetings as the first stage of interpretative analysis of the research material. The material gathered by IN, IAR and TN were subject of psychoanalytic analysis, whose results were communicated through Psychoanalytic Narratives (PN). As an interpretative synthesis, PN is written in an associative way and aims to articulate the experience narrated by the participant, the experience lived by the researcher in the metting and the theoretical constructions that illuminate the drama that is the focus of the study. It was possible to observe in the life stories shared by the participants that the family consisting of a couple of lesbian mothers awakens reactions of estrangement, hostility and prejudice; have the ability to meet the needs of their children well and are capable to create new forms of good care, dissociating them from the gender of those who assume parenthood and that their children must be prepared to face social intolerance towards diversity. The general picture indicates that lesbian mother couples are lucid, aware and able to assume postures of confrontation and combativeness in the face of the violence of cisheteropatriarchal society, as a structurally intrusive and oppressive environment that unleashes attacks that aim to dehumanize/depersonalize those who do not submit to the socially prevailing definitions of gender roles. This position explains their concern to provide an education that favors their children to become capable of facing and defending themselves against social violence. The sharing of care proved to be a challenge for lesbian couples, who are invaded during their care by the heterosexual parental model and its division of functions according to the caregiver’s gender. On the other hand, there are clear indications that this challenge creates favorable conditions for recreating gender roles, the concept of family and parenting practices themselves. It is concluded that the parenting experience of the lesbian mothers who participated in this research becomes an important reference for critical reflection on the cisheteropatriarchal models that guide the various forms of care and the relational context in which they occur.

Esta tesis tuvo como objetivo comprender la experiencia maternal de mujeres lesbianas madres. Tratar este tema desde una perspectiva decolonialista e interseccional en conjunto con las concepciones de cuidado de Winnicott permitió una mirada ética a la experiencia materna de las mujeres lesbianas. Para ello, se realizó un estudio psicoanalítico cualitativo de orientación winnicottiana, que se organizó en torno a cinco encuentros con cada una de las cuatro parejas de mujeres-madres lesbianas cuyos hijos tenían entre cinco meses y 11 años. Dichos encuentros se configuraron como Entrevistas de Transición durante las cuales se utilizaron Narrativas Interactivas (NI). El NI es un relato de ficción producido por la investigadora, en diálogo con su grupo de investigación, a modo de garabato inicial que pone en marcha una compartida. Se interrumpe la historia y se invita al participante a dar un desenlace a esa trama. Luego de cada una de las reuniones se elabora el Registro Asociativo Inicial (RAI) con la intención de capturar las primeras impresiones del investigador para una futura triangulación con su grupo de investigación. Este proceso resultó en una Narrativa Transferencial (NT) para cada uno de los encuentros como primera etapa del análisis interpretativo del material de investigación. El material recopilado por NI, RAI y NT fue objeto de análisis psicoanalítico, cuyo resultado se comunica a través de Narrativas Psicoanalíticas (NP). Como síntesis interpretativa, la NP está escrita de forma asociativa y tiene como objetivo articular la experiencia narrada por el participante, la experiencia vivida por el investigador en el encuentro y las construcciones teóricas que iluminan el drama que es el foco del estudio. Fue posible observar en las historias de vida compartidas por las participantes que la familia compuesta por una pareja de mujeres-madres lesbianas despierta reacciones de extrañamiento, hostilidad y prejuicio; son capaces de atender bien las necesidades de sus hijos y son capaces de crear nuevas formas de buen cuidado, desvinculándolos del género de quienes asumen la paternidad y que sus hijos deben estar preparados para enfrentar la intolerancia social en relación a la diversidad. El panorama general señala que las parejas de madres lesbianas son lúcidas, conscientes y capaces de asumir posturas de confrontación y combatividad frente a la violencia de la sociedad cisheteropatriarcal, como un entorno estructuralmente intrusivo y opresor que lanza ataques que pretenden deshumanizar/despersonalizar aquellos que no se someten a las definiciones socialmente prevalecientes de los roles de género. Esta posición explica su preocupación por brindar una educación que favorezca que sus hijos sean capaces de enfrentar y defenderse de la violencia social. Compartir el cuidado resultó ser un desafío para las parejas de lesbianas, que son invadidas durante su cuidado por el modelo parental heterosexual y su división de funciones según el género del cuidador. Por otro lado, existen claros indicios de que este desafío crea condiciones favorables para recrear los roles de género, el concepto de familia y las propias prácticas de crianza. Se concluye que la experiencia de crianza de las mujeres madres que participaron de esta investigación se convierte en un referente importante para la reflexión crítica sobre los modelos ciheteropatriarcales que orientan las diversas formas de cuidado y el contexto relacional en el que se dan.