Lutando para existir: experiência vivida e sofrimento social de pessoas transgêneras

Abstract

Este trabalho tem como objetivo investigar a experiência vivida de pessoas transgêneras na perspectiva da psicologia psicanalítica concreta. Justifica-se na medida em que formações sociais que se organizam de modo sexista geram sofrimentos que atingem tanto os que se definem em termos de cisheteronormatividade como aqueles que divergem dessas normas, entre os quais se incluem as pessoas transgêneras. Organiza-se metodologicamente como pesquisa qualitativa ao redor do método psicanalítico, operacionalizado em termos de procedimentos investigativos de produção, registro e interpretação do material pesquisado, abordando 13 vídeos do YouTube, nos quais pessoas que se identificam como transgêneras relatam suas experiências de vida. O conjunto dessas manifestaçõesfoi transcrito e considerado em duas etapas, focalizando as dramáticas do viver, presentes no campo da consciência dos próprios youtubers, e os campos de sentido afetivo-emocional. Foram identificadas as seguintes dramáticas no viver das pessoas trans: dificuldades nas relações familiares, nas relações amorosas, na escola, no trabalho, na vida cotidiana, no sistema desaúde, na segurança pessoal, na relação com o próprio corpo e ligadas a sensações de falsidade pessoal. Foram interpretativamente propostos dois campos de sentido afetivo-emocional: “Perverso e degenerado” e “Ser ou não ser verdadeiro". O primeiro é aquele que se organiza ao redor da crença/fantasia de que a recusa de se conformar ao “sexo biológico” corresponde a uma forma de anormalidade moral, livremente escolhida pela pessoa. O segundo é aquele que se organiza ao redor da crença/fantasia de que é importante ser fiel ao próprio sentir. O quadro geral indica um entrechoque de tendências reducionistas, que pensam o humano como mero organismo biológico, com outras que concebem que a sexualidade, como fenômeno suficientemente dissociado da função reprodutiva, corresponde a uma área da experiência passível de ser vivida de modo criativo, autêntico e alinhado a uma ética radicalmente humanista.

This work aims to investigate the lived experience of transgender people from the perspective of concrete psychoanalytic psychology. It is justified to the extent that social formations that are organized in a sexist way generate suffering that affects both those who are defined in terms of cisheteronormativity and those who diverge from these norms, including transgender people. It is methodologically organized as a qualitative research around the psychoanalytic method, operationalized in terms of investigative procedures of production, recording and interpretation of the researched material, 13 YouTube videos, in which people who identify themselves as transgender people report their life experiences. The set of these manifestations was transcribed and considered in two stages, focusing on the dramatics living, present in the field of consciousness of the youtubers themselves, and the fields of affective-emotional sense. The following dramatics were identified in the lives of trans people: difficulties in family relationships, in love relationships, at school, at work, in daily life, in the health system, in personal security, in the relationship with one's own body and linked to feelings of personal falsehood. Two fields of affective-emotional sense wereinterpretively proposed: "Perverse and degenerate" and "To be or not to be true". The first is that which is organized around the belief/fantasy that the refusal to conform to "biological sex" corresponds to a form of moral abnormality, freely chosen by the person. The second is that which is organized around the belief/fantasy that it is important to be faithful to one's own feeling. The overview indicates a clash of reductionist tendencies, which think the human as a mere biological organism, with others that conceive that sexuality, as a phenomenon sufficiently dissociated from the reproductive function, corresponds to an area of experience that can be lived in a creative, authentic way and aligned with a radically humanistic ethics.