Vida, ação e construção de mundo na favela cafezinho

Abstract

De maneira sistêmica, áreas urbanas informais e vulneráveis são alvo de discriminação, sendo submetidas à desvalorização e desprestigiadas culturalmente, como saber coletivo. Tanto o fator de localização da terra urbana, como a informalidade, são recorrentes e apresentam a dura estratificação socioespacial dos territórios invisibilizados pelo Estado e pelo establishment. Entretanto, nossa pesquisa busca mostrar que tais tecidos desvalorizados e desprovidos de infraestrutura e qualidade espacial podem apresentar, pelo contrário, a expressão máxima da luta por moradia concretizada nas pequenas casas, em sua morfologia, seus quintais e seu arcabouço erguido, ocultando, ou melhor, revelando, nos espaços domésticos e exteriores, toda uma forma de vida cotidiana e de fazer a cidade, como um processo cultural, em oposição às formas de fazer do capital hegemônico. A Favela Cafezinho, nosso estudo de caso, compõe a região convencionada pelo nome de Vila Moscou, aglomerado de bairros inseridos na zona nordeste de Campinas, nas bordas do tecido urbanizado. Trata-se de uma área que apresenta vulnerabilidades significativas e se caracteriza por construções realizadas de modo informal, em sua maioria residenciais, o que comparece como uma contradição diante do estatuto legal urbanístico. Como metodologia, o arcabouço teórico da presente pesquisa concebe a casa, de modo arquetípico, como cerne da memória simbólica e de acolhimento, que compreende a poética subjacente da casa primordial, como um estado de topofilia, inerente à própria condição do habitar. Nossa fundamentação também assinala a “linha abissal” em semelhança concernente aos territórios do Sul Global em relação ao Norte, porém em escala local, como uma reverberação de separação na cidade, incluídos os campos epistemológicos e culturais. Nos baseamos, ainda, na premissa que pressupõe que espaços urbanos se submetem a lógicas transversais e agentes sociais relacionados a sua inserção socioterritorial, ou seja, diferem, no mundo globalizado, conforme se inserem em países centrais ou periféricos. Como objetivo, intentamos revelar como se dão, concretamente, as morfologias de ocupação deste ambiente periférico, que têm sua memória enraizada na luta pelo direito à moradia, à cidade e à cidadania, no recorte do estudo de caso proposto. Pretendeu-se, a partir de procedimentos indutivos, trazer à luz determinadas formas presentes, na realização destas casas, em movimento de autoconstrução e luta por garantia de posse, com uma exemplaridade, que busca apontar caminhos para configurações concretas e significados simbólicos assentados nesse modo de vida das periferias brasileiras.

In a systemic way, informal and vulnerable urban areas are the target of discrimination, being subjected to devaluation and cultural discredit, as collective knowledge. Both the location of urban land and informality are recurrent factors and present the harsh socio spatial stratification of territories made invisible by the State and the establishment. However, such devalued fabrics, lacking infrastructure and spatial quality, present, on the contrary, the maximum expression of the struggle for housing embodied in small houses, in their morphology, their backyards and their erected framework, hiding, or rather, revealing, in domestic and outdoor spaces, an entire form of daily life and of making the city, as a cultural process, in opposition to the ways of doing things of hegemonic capital. The Favela Cafezinho, our case study, makes up the region conventionally called Vila Moscou, a cluster of neighborhoods located in the northeast zone of Campinas, on the edges of the urbanized fabric. This is an area that presents significant vulnerabilities and is characterized by informal constructions, mostly residential, which appears as a contradiction in view of the urban planning legal status. As a methodology, firstly, the theoretical framework of this research conceives the house, in an archetypal way, as the core of symbolic memory and reception, which comprises the underlying poetics of the primordial house, as a state of topophilia, inherent to the very condition of dwelling. Our foundation also highlights the “abyssal line” in similarity concerning the territories of the Global South in relation to the North, but on a local scale, as a reverberation of separation in the city, including the epistemological and cultural fields. We also base ourselves on the current trend that assumes that urban spaces are subject to transversal logics and social agents related to their socioterritorial insertion, that is, they differ, in the globalized world, according to whether they are inserted in central or peripheral countries. Our objective is to reveal how the morphologies of occupation of peripheral environments, whose memory is rooted in the struggle for the right to housing, the city and citizenship, take place in the context of the proposed case study. We intended to shed light on certain forms present in the construction of these houses, in a movement of self-construction and struggle for guaranteed ownership, with an exemplary approach that seeks to point out paths for concrete configurations and symbolic meanings based on this way of life in Brazilian peripheries.

Las zonas urbanas informales y vulnerables sistemáticamente son objeto de discriminación, siendo devaluadas y descreditadas culturalmente, como conocimiento colectivo. Tanto el factor de ubicación del suelo urbano como la informalidad son recurrentes y presentan la dura estratificación socio espacial de los territorios invisibilizados por el Estado y el establishment. Sin embargo, nuestra investigación busca mostrar que tales tejidos devaluados, desprovistos de infraestructura y calidad espacial, pueden resentar, por el contrario, la máxima expresión de la lucha por la vivienda realizada en las casas pequeñas, en su morfología, sus patios y su estructura construida, ocultando, o mejor dicho, revelando, en los espacios domésticos y exteriores, toda una forma de vivir cotidianamente y de hacer ciudad, como proceso cultural, en oposición a las formas de hacer del capital hegemónico. Favela Cafezinho, nuestro caso de estudio, conforma la región conocida como Vila Moscú, un conjunto de barrios ubicados en la zona noreste de Campinas, en los bordes del tejido urbanizado. Se trata de una zona que presenta importantes vulnerabilidades y se caracteriza por construcciones realizadas de manera informal, en su mayoría residenciales, lo que parece contradecir el estatus legal urbano. Como metodología, el marco teórico de la presente investigación concibe la casa, de manera arquetípica, como núcleo de memoria simbólica y acogida, que comprende la poética subyacente de la casa primordial, como un estado de topofilia, inherente a la condición misma de habitar. Nuestro razonamiento también destaca la “línea abisal” en similitud entre los territorios del Sur Global en relación con el Norte, pero a escala local, como una reverberación de separación en la ciudad, incluidos los campos epistemológicos y culturales. Nos basamos también en la premisa que supone que los espacios urbanos están sujetos a lógicas transversales y agentes sociales relacionados con su inserción socioterritorial, es decir, se diferencian, en el mundo globalizado, según estén ubicados en países centrales o periféricos. Como objetivo, pretendemos revelar cómo, concretamente, se producen las morfologías de ocupación de este entorno periférico, que tienen su memoria enraizada en la lucha por el derecho a la vivienda, a la ciudad y a la ciudadanía, en el ámbito del estudio de caso propuesto. Se pretendió, mediante procedimientos inductivos, sacar a la luz ciertas formas presentes en la creación de estas casas, en un movimiento de autoconstrucción y de lucha por garantizar la posesión, con una ejemplaridad, que busca señalar caminos hacia configuraciones concretas y significados simbólicos basados en este modo de vida en la periferia brasileña.