O sofrimento como mediação da vida cotidiana: significações de adolescentes da escola pública

Abstract

A presente pesquisa situa-se no campo dos estudos de natureza qualitativa e participativa, caracterizando-se como uma pesquisa-intervenção-arte. Ancorada nos pressupostos teóricometodológicos da Psicologia Histórico-Cultural, seu objetivo geral consiste em analisar as significações do sofrimento expresso por estudantes adolescentes do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio na escola. Para tanto, nos valemos de materialidades artísticas - como contos, trechos de séries, curtas-metragens, livros, fotografias, pinturas, esculturas - enquanto instrumentos de mediação das expressões dos estudantes, de modo a acessar o fenômeno investigado. Também adotamos como marco teórico a categoria de sofrimento ético-político, e seu par indissociável, a saúde ético-política. Participaram da pesquisa estudantes de duas turmas do Ensino Fundamental II e de uma turma do Ensino Médio, de uma escola da rede estadual de ensino, situada na periferia de uma grande cidade do interior do estado de São Paulo. Junto a esses coletivos, realizamos encontros semanais com aproximadamente uma hora e meia de duração, sobre temáticas relacionadas ao sofrimento vivenciado em seu cotidiano. Tais encontros foram gravados e transcritos, compondo as fontes de dados juntamente com os diários de campo e as produções autorais dos adolescentes. Como resultados, temos a manifestação do medo em múltiplas camadas de significações e contradições, entre as quais o medo da morte física e simbólica. A um só tempo, emerge nas expressões dos estudantes uma atração por ações/atitudes que colocam em risco sua segurança física, as quais constituem modos de “perseverar na existência”. Já no âmbito do papel das instituições na vida atual e futura dos participantes, a escola se destaca, produzindo, a um só tempo, sofrimento ético-político, e possibilidades de acesso a um futuro mais digno, ou meios para a superação de suas atuais condições de vida, a partir das seguintes contradições: escola do acolhimento x escola da opressão; garantia de direitos x disciplinamento dos corpos; resistência e luta x impotência diante das autoridades. Ademais, evidenciamos um sentimento de subalternidade dos adolescentes em relação ao governo e ao mercado, em oposição a revolta e indignação frente ao caráter desumano e explorador do trabalho. Por fim, abordamos o racismo e o preconceito como fontes de sofrimento ético-político dos estudantes, cujas manifestações por vezes se dão em um incômodo, uma suposta “brincadeira”, ou uma expressão de revolta. O presente trabalho revelou a potência de ações voltadas ao coletivo para avançar no processo de conscientização dos adolescentes sobre suas condições de vida.

This research belongs to the area of a qualitative and participatory nature studies, characterized as research-intervention-art. Anchored in the theoretical-methodological assumptions of Historical-Cultural Psychology, its general objective consists of analyzing the meanings of suffering expressed by adolescent students in Middle School and High School. To this end, we use artistic materialities - such as short stories, excerpts from series, short films, books, photographs, paintings, sculptures - as instruments for mediating students' expressions, in order to access the phenomenon investigated. We also adopted as a theoretical framework the category of ethical-political suffering, and its inseparable pair, ethical-political health. Students from two Middle School classes and one High School class from a state school, located on the outskirts of a large city in the interior of the state of São Paulo, participated in the research. Together with these groups, we held weekly meetings lasting approximately one and a half hours, on topics related to the suffering experienced in their daily lives. These meetings were recorded and transcribed, composing the data sources along with the field diaries and the adolescents' authorial productions. As a result, we have the manifestation of fear in multiple layers of meanings and contradictions, including the fear of physical and symbolic death. At the same time, an attraction to actions/attitudes that put their physical safety at risk emerges in the students' expressions, which constitute ways of “persevering in existence”. In terms of the role of institutions in the current and future lives of participants, the school stands out, producing, at the same time, ethical-political suffering, and possibilities of access to a more dignified future, or means to overcome their current living conditions, based on the following contradictions: school of reception x school of oppression; guarantee of rights x discipline of bodies; resistance and struggle x impotence in the face of authorities. Furthermore, we evidenced a feeling of subordination among teenagers towards the government and the market, as opposed to revolt and indignation at the inhumane and exploitative nature of work. Finally, we address racism and prejudice as sources of ethical-political suffering among students, whose manifestations sometimes take the form of discomfort, a supposed “joke”, or an expression of revolt. This work revealed the power of actions aimed at the collective to advance the process of raising awareness among adolescents about their living conditions.